Desculpem a demora. Estava fazendo algumas entrevistas. É da profissão.   Adiante.
*
A dita lei anti-homofobia, mesmo na versão amenizada que está   no Senado, é um coquetel de inconstitucionalidades. Isso não quer dizer que, se   submetida à análise do Supremo, não vá ser considerada mais um primor do direito   criativo, uma área em que o Brasil está virando craque. No post anterior, lemos   que a senadora Marta Suplicy quer pressão da sociedade para aprovar a tal lei.   "Pressão da sociedade" significa a organização de grupos da militância gay em   favor da lei — e, obviamente, o silêncio de quem é contra o texto. E é evidente   que se pode ser contra não por preconceito contra os gays, mas porque a lei   ofende o bom senso e cria uma casta de aristocratas sob o pretexto de combater a   homofobia.
Como sempre faço, exponho a lei que está sendo discutida, em vez de escondê-la, como faz a maioria. Abaixo, segue em azul a proposta que está no Senado, relatada pela senadora Marta Suplicy. Atenção! O que vai em vermelho aparece no texto da lei na forma de reticências porque remete a artigos do Código Penal. Incluí aí para que fique claro do que estamos falando. Se quiser, veja a íntegra antes de ler o comentário que faço.
PROJETO DE LEI DA CÂMARA Nº 122, DE 2006
Define os crimes resultantes de   preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero, altera o Código   Penal e dá outras providências.
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º Esta Lei define crimes resultantes   de preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Art. 2º   Para efeito desta Lei, o termo sexo refere-se à distinção entre homens e   mulheres; orientação sexual, à heterossexualidade, homossexualidade ou   bissexualidade; e identidade de gênero, à transexualidade e à   travestilidade.
Art. 3º O disposto nesta Lei não se aplica à manifestação   pacífica de pensamento decorrente da fé e da moral fundada na liberdade de   consciência, de crença e de religião de que trata o inciso VI do art. 5º da   Constituição Federal.
Discriminação no mercado de trabalho
Art. 4º Deixar de contratar ou nomear   alguém ou dificultar sua contratação ou nomeação, quando atendidas as   qualificações exigidas para o posto de trabalho, motivado por preconceito de   sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
Pena — reclusão, de um a   três anos.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem, durante o contrato de trabalho ou relação funcional, confere tratamento diferenciado ao empregado ou servidor, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero.
Discriminação nas relações de consumo
Art. 5º Recusar ou impedir o acesso   de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou negar-lhe   atendimento, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade   de gênero:
Pena — reclusão, de um a três anos.
Discriminação na prestação de serviço público
Art. 6º Recusar ou impedir o   acesso de alguém a repartição pública de qualquer natureza ou negar-lhe a   prestação de serviço público motivado por preconceito de sexo, orientação sexual   ou identidade de gênero:
Pena — reclusão, de um a três anos.
Indução à violência
Art. 7º Induzir alguém à prática de violência de   qualquer natureza, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou   identidade de gênero:
Pena — reclusão, de um a três anos.
Art. 8º O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, passa a vigorar com as seguintes alterações:
"Art. 61
São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não   constituem ou qualificam o crime:
I - a reincidência;
II - ter o agente   cometido o crime:
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou   assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro   crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso   que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de   veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que   podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou   cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações   domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher   na forma da lei específica;
g) com abuso de poder ou violação de dever   inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, maior   de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida;
i) quando o ofendido estava   sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio,   inundação ou qualquer calamidade pública,
ou de desgraça particular do   ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.
m) motivado por   preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero."
"Art. 121
Matar alguém:
Pena — reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte)   anos.
(…)
§ 2º
Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou   promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo   fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou   outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à   traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte   ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a   ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime:
Pena - reclusão, de 12   (doze) a 30 (trinta) anos.
(…)
VI - motivado por preconceito de sexo,   orientação sexual ou identidade de gênero.
"Art. 129
Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena —   detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
§ 12. Aumenta-se a pena de um terço   se a lesão corporal foi motivada por preconceito de sexo, orientação sexual ou   identidade de gênero."
"Art. 136
Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade,   guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer   privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a   trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou   disciplina:
Pena - detenção, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§   1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de   1 (um) a 4 (quatro) anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de 4   (quatro) a 12 (doze) anos.
§ 3º Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é   praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, ou é motivado por   preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de gênero."
"Art. 140
Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena   - detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
§ 1º - O juiz pode deixar   de aplicar a pena:
I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou   diretamente a injúria;
II - no caso de retorsão imediata, que consista em   outra injúria.
§ 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato,   que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena   — detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente   à violência.
§ 3º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes   a raça, cor, etnia, religião, origem, condição de pessoa idosa ou portadora de   deficiência, sexo, orientação sexual ou identidade de gênero:
"Art. 286
Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção,   de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.
Apologia de crime ou   criminoso
Parágrafo único. A pena é aumentada de um terço quando a incitação   for motivada por preconceito de sexo, orientação sexual ou identidade de   gênero"
Art. 9º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Voltei
Muito bem! A lei já enrosca numa questão de linguagem no Artigo 2º.   O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa registra, sim, "transexualidade"   e "travesti", mas não abriga a "travestilidade", seja lá o que isso queria dizer   na linguagem militante ou no vocabulário da senadora.
Um homem que não seja habitualmente um "travesti" pode estar em "situação de travestilidade" transitória, por exemplo. Sei lá, deu na veneta do sujeito, ele vestiu um tubinho listrado e saiu por aí; em vez de Parati, resolveu tomar chá com torrada; em vez do canivete no cinto, um leque na mão… Lembram-se do cartunista Laerte, que é homem (sexo), diz-se bissexual (orientação) e, vestido de mulher, tentou usar um banheiro feminino (naquele dia, dividia o ambiente com uma criança do sexo feminino)? Aquilo era exercício de "travestilidade"? Sigamos.
O Artigo 3º — e os militantes xiitas já ficaram bastante irritados com ele — tenta minimizar a reação negativa da "bancada cristã" no Congresso. Especifica que o que vai na lei não se aplica à "manifestação pacífica do pensamento" em razão da crença, religião etc. Huuummm… A questão é saber quando um pensamento é considerado "pacífico" ou não. Ocorre que a agressão à liberdade religiosa, minimizada no texto do Senado, era apenas um dos problemas da lei. Os outros continuam.
Peguemos a questão da "discriminação no mercado de trabalho". O diretor ou diretora de uma escolinha infantil, por exemplo, que rejeite um(a) professor(a) que se encaixe no grupo da "transexualidade" ou da "travestilidade" pode pegar até três anos de cadeia. Em caso de denúncia, o diretor ou diretora da escolinha teria de provar que só não contratou a tia Jehssyka — que, na verdade, era o tio Waldecir — por motivos técnicos. A eventual consideração de que uma criança de quatro ou cinco anos não está, digamos, preparada para entender a "travestilidade" — que nem o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa abriga — não pode, evidentemente, ser levada em conta.
Nessa e nas demais situações previstas da lei, a pessoa acusada terá de produzir a chamada "prova negativa" — vale dizer, demonstrar que não agiu movido pelo preconceito. Vamos adiante.
Que tal pensar um pouquinho no Artigo 5º? Transcrevo:
"Art. 5º Recusar ou   impedir o acesso de alguém a estabelecimento comercial de qualquer natureza ou   negar-lhe atendimento, motivado por preconceito de sexo, orientação sexual ou   identidade de gênero:
Pena — reclusão, de um a três anos."
Leio e me contam que são cada vez mais frequentes as lojas de roupas femininas sem provadores. Como é um ambiente para mulheres, elas vão pondo e tirando peças por ali mesmo, entre as araras e os armários, ficando nuas ou seminuas (pare de ficar sonhando, leitor heterossexual reacionário!). Mas nada de impedir o Laerte (tomo-o como uma metonímia) — aquele que, em situação de travestilidade, quis dividir o banheiro feminino com uma mulher e uma criança — de fazer o mesmo, entenderam? Se ele quiser ficar pelado ali no meio da mulherada, expondo os seus balangandãs, estará protegido por uma lei! Ou é isso ou cana de três anos! E se, sei lá eu, por qualquer razão, o homem (sexo), bissexual (orientação) e travesti (identidade) tiver uma ereção, ainda que involuntária (vocês sabem, isso acontece), em meio a calcinhas e sutiãs? Um pênis, como a rosa de Gertrude Stein, é um pênis é um pênis. Nem Marta Suplicy consegue mudar isso! O sujeito em situação de "travestilidade" poderá ser acusado de assédio, por exemplo, ou isso também seria discriminação de identidade?
Código Penal
O texto muda ainda seis artigos do Código Penal. Se aprovada   a proposta de dona Marta Suplicy, o Brasil estará dizendo ao mundo que matar um   gay é coisa muito mais grave do que matar um heterossexual — ou, se quiserem, o   contrário: matar um heterossexual é coisa muito menos grave do que matar um   gay.
Vejam lá: qualquer crime, segundo a redação proposta para o Artigo 61, terá pena agravada quando praticado em razão da orientação ou identidade sexual, valendo, com já disse, mesmo para o caso de homicídio (Artigo 121). Ofender a integridade ou a saúde de alguém (Art. 129) dá de três meses a um ano de cana. No caso de ser um gay, um terço a mais de pena. Ou mesmo vale para o caso de expor uma pessoa a riscos (Art. 136) ou injúria (Art. 140). Em suma, tudo aquilo que já é crime passa a ser "ainda mais crime" caso se acuse o criminoso de ter agido em razão do preconceito.
Pressão
Marta pede a "pressão popular" — que, na verdade, é pressão da   militância porque sabe que, caso a lei seja conhecida em seus detalhes e   implicações, não seria aprovada de jeito nenhum. Os tempos são favoráveis a   reparações dessa natureza. A imprensa é majoritariamente favorável ao texto e   tende a satanizar os que o criticam, como se fossem porta-vozes do mundo das   trevas — e não da velha e boa igualdade dos homens e mulheres perante a lei   (pouco importa o que façam de sua sexualidade). Se há preconceito e   discriminação, é preciso resolver a questão com educação, não com a aprovação de   uma Lei de Exceção, que cria uma casta de indivíduos especialmente   protegidos.
Fantasia estatística
Ocorre que a militância gay consegue vender fantasias   como se fossem provas irrefutáveis de que o Brasil é o país mais homofóbico do   mundo. Uma delas é o tal "número de homossexuais assassinados por ano". Em 2010,   segundo os próprios militantes, foram 260. Duvido que esse dado esteja correto!   DEVE SER MUITO MAIS DO QUE ISSO. Sabem por quê? Em 2010, mais de 50 mil   brasileiros foram assassinados. Dizem os militantes que são 10% os brasileiros   gays. Logo, aqueles 260 devem ser casos de subnotificação. O que é um escândalo   no Brasil é o número de homicídios em si, isto sim, pouco importa o que o morto   fazia com o seu bingolim quando vivo.
Mas seria interessante estudar mesmo esse grupo de 260. Aposto que a larga maioria era composta de homens. O assassinato de lésbicas é coisa rara. Houvesse um preconceito tão arraigado a ponto de se matar alguém em razão de sua orientação, haveria um quase equilíbrio entre os dois grupos. Mas não há! A maioria é composta de homens homossexuais assassinados por… michês! Que também são homossexuais — ou, por acaso, não são? Muitos dos crimes atribuídos à chamada homofobia são praticados por… homossexuais. Eu diria que são ocorrências que se encaixam em outro escaninho da experiência humana: a prostituição.
Reitero: o que é um escândalo, o que é inaceitável, o que é um absurdo é haver mais de 50 mil homicídios por ano no país, incluindo o de homossexuais, sim, que certamente não se limitam a 260, dado o número provável de gays no país. Mas convém não tomar como expressões do preconceito algumas ocorrências que decorrem do estilo de vida. Se a sexualidade não é uma escolha, o estilo é.
Não é correto tomar comportamentos que são marginais — que se situam à margem, entenda-se — como parâmetro para elaborar políticas públicas. A chamada lei de combate à homofobia constitui, isto sim, uma lei de concessão de privilégios. Não será pela via cartorial que se vai reeducar a sociedade. Seu efeito pode ser contraproducente: a menos que haja imposição de cotas nas empresas, aprovada a lei da homofobia, pode é haver restrições à contratação de homossexuais em determinados setores da economia — em alguns, eles já são maioria. Afinal, sempre que um homossexual for demitido, haverá o risco da acusação: "Homofobia"! E lá vai o acusado ter de provar que não é culpado.
Só as sociedades totalitárias obrigam os indivíduos a provar que não têm   culpa!
Por Reinaldo Azevedo
Tags: Lei da Homofobia, Marta Suplicy

Nenhum comentário:
Postar um comentário