Antônio Fernando de Souza: "Negar a existência do mensalão é querer apagar a   história do país" (Foto: Joédson Alves/Folhapress)
Antônio Fernando de Souza,   ex-procurador-geral da República, foi quem denunciou ao Supremo Tribunal Federal   a quadrilha do mensalão, chefiada por José Dirceu, o deputado cassado por   corrupção. É o maior escândalo da história republicana. Na verdade, é o maior   escândalo da história brasileira. Nesse caso, com absoluta precisão, pode-se   dizer que "nunca antes nestepaiz" um partido político havia tentado comprar um   dos Poderes da República (o Legislativo), tornando-o irrelevante, ou substituir   o Executivo por um governo paralelo. Os petistas, obviamente, não inventaram a   corrupção. Eles só a levaram a dimensões inéditas. Achando que era pouco,   tentaram transformá-la num ato de resistência.
Não contente com todo o mal que causou ao país, José Dirceu, aquele que é apontado na denúncia da Procuradoria Geral da República como o "chefe da quadrilha", tenta agora arrastar as instituições para a lama. Em vez de deixar que a CPI que investiga as ações de Cachoeira siga o seu curso, punindo corruptos e corruptores, esforça-se para usá-la como palco de suas manobras defensivas. Atua nos bastidores, usando como arma a pena de aluguel do subjornalismo a soldo, para manchar a reputação da Procuradoria, do Supremo e da imprensa — não por acaso, três instâncias fundamentais do estado democrático e de direito.
Souza concedeu a Hugo Marques, na edição desta semana da VEJA, uma entrevista   que precisa ser lida e espalhada na rede. Falou com serenidade e precisão:
1   - chamar o mensalão de farsa corresponde a chamar de farsantes o   procurador-geral e os ministros do Supremo;
2 - negar a existência do   mensalão é negar os fatos; é querer apagar a história;
3 - existem provas   periciais demonstrando que dinheiro público foi usado na lambança;
4 - réus   confessaram os crimes;
5- os réus do mensalão praticaram lavagem de dinheiro,   corrupção passiva e ativa, peculato, evasão de divisas, formação de quadrilha e   falsidade ideológica;
6 - a sociedade brasileira espera um julgamento justo e   correto.
Leiam a entrevista e contribuam para que ela chegue ao maior número possível   de brasileiros. E vamos torcer para que o ministro Ricardo Lewandowski, do   Supremo, conclua o quanto antes a revisão do processo para que possa haver o   julgamento.
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Em 2006, o então procurador-geral da República, Antônio   Fernando de Souza, transformou em réus quarenta petistas e aliados. Eles   operavam o que foi caracterizado na denúncia apresentada ao Supremo Tribunal   Federal de "sofisticada organização criminosa", encabeçada pelo ex-ministro José   Dirceu. Agora, com a proximidade do julgamento, o ex-chefe do Ministério Público   afirma que a tentativa de negar a existência do mensalão é uma afronta à   democracia.
O senhor sofreu pressão para não apresentar a denúncia do mensalão?
Não.   Minha postura reservada sempre inibiu qualquer atitude desse tipo. Nunca assumi   nenhum compromisso com as autoridades que me procuraram. Fiz meu trabalho da   forma mais precisa e célere possível. Tinha 100% de convicção formada.   Conseguimos fazer a relação entre os fatos e montamos o quebra-cabeça do   esquema, tudo em cima de documentos, de provas consistentes.
O PT tem se dedicado a difundir a versão de que o mensalão não passa de uma farsa… Chamar esse episódio de farsa é acusar o procurador-geral e os ministros do Supremo de farsantes. Dizer que aqueles fatos não existiram é brigar com a realidade, é querer apagar a história. Esse discurso não produzirá nenhum efeito no STF. Os ministros vão julgar o processo com base nos autos. E há inúmeras provas de tudo o que foi afirmado na denúncia. Depoimentos, extratos bancários, pessoas que foram retirar dinheiro e deixaram sua assinatura.
O senhor se sente incomodado com isso?
Na democracia, todas as pessoas   estão sujeitas à fiscalização, ao controle, à responsabilização, e há órgãos   dispostos a isso. Não serão os partidos políticos nem seus dirigentes que vão   dizer o que é crime e o que não é crime. Quando eles querem transmitir um ar de   que não aconteceu nada, estão indo para o reino da fantasia. Negar a existência   do mensalão é uma afronta à democracia.
Como o senhor vê as afirmações do atual procurador-geral, Roberto Gurgel, de   que está sofrendo ataques de mensaleiros com medo do julgamento?
Se ele fez   essa acusação, preciso admitir que tem elementos para justificá-la. A CPI está   se preocupando com um assunto que não tem relevância para o seu trabalho. O   procurador-geral avaliou que a Operação Vegas não produziu evidências   suficientes para pedir indiciamentos, mas não arquivou o inquérito - inclusive a   pedido da Polícia Federal - para não prejudicar o andamento das investigações da   Operação Monte Carlo. E a estratégia se mostrou bem-sucedida.
Está comprovado que o PT utilizou dinheiro público no mensalão?
Quem vai   fazer esse juízo é o Supremo. Da perspectiva de quem fez a denúncia e acompanhou   o processo até 2009, digo que existe prova pericial mostrando que dinheiro   público foi utilizado. Repito: há prova pericial disso. E o Supremo, quando   recebeu a denúncia, considerou que esses fatos têm consistência.
O ex-ministro José Dirceu afirma que o senhor o apontou como chefe de uma   organização criminosa para se vingar do fato de ele nunca tê-lo recebido na Casa   Civil.
Nunca tive nenhum interesse em falar com ele. A minha escolha como   procurador-geral foi feita pelo presidente da República. Uma denúncia é   formalizada somente se há elementos probatórios sobre uma conduta criminosa.   Sentimentos pessoais não entram em jogo. Tudo o que se fala em relação à conduta   dessa pessoa tem se revelado verdadeiro na prática. Reduzir uma denúncia dessa   gravidade a uma rusga do procurador-geral é quase risível.
Como o senhor vê essa tentativa de usar a CPI para desviar o foco do   julgamento do mensalão?
É normal que quem está denunciado fique tenso às   vésperas do julgamento. O julgamento no Supremo Tribunal Federal é uma decisão   definitiva. Vivemos num país democrático, num estado de direito. O Supremo   jamais faria um justiçamento, vai fazer um julgamento. Tem prova, tem   condenação; não tem prova, não tem condenação.
O que o senhor achou da iniciativa de alguns parlamentares de tentar usar uma   CPI para investigar a imprensa?
A imprensa não faz processo penal, a imprensa   dá a notícia, dá a informação. Parece mais um meio de desviar a atenção do   inquérito fundamental.
Os acusados tentam reduzir o caso a um crime eleitoral. É uma boa   estratégia?
A referência que fazem é que a movimentação de dinheiro tinha   origem em caixa dois de campanha. Do ponto de vista ético e jurídico, isso não   altera nada. Quando há apropriação do dinheiro público, não é a sua finalidade   que vai descaracterizar o crime. No processo do mensalão, temos imputação de   crimes de lavagem de dinheiro, corrupção passiva, ativa, peculato, evasão de   divisas, quadrilha, falsidade ideológica. Crimes assumidamente confessados. Eles   não podem deixar de admitir.
O governo passado indicou a maioria dos ministros que, agora, vão julgar   muitos de seus aliados. Isso pode influir de alguma maneira no resultado?
Uma   pessoa, quando aceita ocupar o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal,   sabe das responsabilidades que tem e vai cumpri-las. Toda a sociedade espera um   julgamento justo e correto. Que esse processo sirva para o amadurecimento da   democracia.
Texto publicado originalmente às 5h56
(Por Reinaldo Azevedo)
Tags: Antonio Fernando de Souza, José Dirceu,   Mensalão

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