Autor: Catullo da Paixão Cearense
Intérprete: Rolando Boldrin
Como diz o cabôco: "Diz qui", há muito tempo, um tal Senadô andô falano num jornal qualquer, qui o rocêro, o caipira, é... um priguiçôso, um indolente, um que só vive incostado... um punhado de coisas, enfim. O grande poeta Catullo da Paixão Cearense colocou, então, na boca de um desses brasileiros, lá do sertão, uma resposta... bem assim:
Seu dotô, venho dos brêdo,
Só pra mode arrespondê
Toda aquela   fardunçage
Qui vancê foi inscrevê!
Num teje vancê jurgano
Qui eu sô argum cangussú!
Num sô não, Seu   Conseiêro.
Sô norte, sô violêro
e vivo naquelas mata,
como veve um   sanhaçu!
Vassucê já mi cunhece:
Eu sô o Jeca Tatu!
Cum tôda essa má piáge,
Vassucê, Seu Senadô,
Nunca, um dia, se   alembrô,
Qui, lá naquelas parage,
A gente morre de fome
E de sêde, sin   sinhô!
Vassuncê só abre o bico,
Pra cantá, como um cancão,
Quano qué fazê seu   ninho,
Nos gáio duma inleição!
Vassuncê, qui sabe tudo,
É capaiz de arrespondê
Quando é que se ouve,   
Nos mato,
O canto do zabelê?
Em qui hora é qui o macuco
Se põe-se mais a piá?
E quando é que a   jacutinga
Tá mio de se caçá?
Quando o uru, entre as foiage,
Sabe mais   asubiá?
Qualé, de todas as arve,
A mais derêita, inpinada?
A qui tem o pau mais   duro,
E a casca mais incorada?
Hem?
Vancê nun sabe quá é
A madêra qui é mais boa,
Pra se fazê uma   canôa!
Vancê, no meio das tropa,
Dos cavalo, Seu Dotô,
Oiano pros   animá,
Sem vê um só se movê,
Num é capáiz de iscuiê
Um cavalo   iquipadô!
Eu quiria vê vancê,
No meio de uma burrada,
Somente pur um   isturro,
Dizê, em conta ajustada,
Quantos ano, quantas manha,
Quantos   fio tem um burro!
Vancê só sabe de lêzes,
Qui si faiz cum as duas mão!
Mais, porém, nun   sabe as lêzes
Da Natureza, e qui Deus
Fêiz pra nóis, cum o coração!
Vancê nun sabe cantá,
Mais mió qui um curió,
Gemeno à bêra da   istrada!
Vancê nun sabe inscrevê,
Num papé, feito de terra,
Quano a   tinta é o do suó,
E quano a pena é uma inxada!
Se vancê nun sabe disso,
Num pode me arrespondê:
Óia aqui, Seu   Conseiêro:
Deus nun fêiz as mão do home,
Somente pra ele inscrevê
Vassuncê é um Senadô,
É um Conseiêro, é um Dotô,
É mais do qui um   Imperadô,
É o mais grande cirdadão,
Mais, porém, eu lhi agaranto,
Qui   nada disso siría,
Naquelas mata bravia,
Das terra do meu Sertão.
A miséria, Seu Dotô,
Tombém a gente consola.
O orgúio é qui mata a   gente!
Vancê qué sê persidente?
Eu sô quero ser...
Rocêro e tocadô de   viola!
Você tem todo dereito
De ganhá cem mil pru dia!
Pra mió podê   falá.
Mais, porém, o qui nun pode
É a inguinorânça insurtá,
A gente,   Seu Conseiêro,
Tá cansado de isperá!
Vancê diz que a gente
Véve cum a mão no quêxo,
Assentado, sem fazê   causo das coisa
Qui vancê diz no Senado.
E vassuncê tem razão!
Si nóis   tudo é anarfabeto,
Cumo é que a gente vai lê
Toda aquela falação?
Priguiçôso? Maracêro?
Não sinhô, Seu Conseiêro!
É pruquê vancê nun sabe
O qui seja um boiadêro
Criá cum tanto   cuidado,
Cum amô e aligria,
Umas cabeça de gado...
E, dipôis, a   impidimia
Carregá tudo, cos diabo,
In mêno de quato dia!...
É pruquê vancê nun sabe
O trabáio disgraçado
Qui um home tem, Seu   Dotô,
Pra incoivará um roçado...
E quano o ôro do mío
Vai ficano   inbunecado,
Pra gente, intoce, coiê,
O mío morre de sêde,
Pulo só   isturricado,
Sequinho, como vancê!
É pruquê vancê nun sabe
O quanto é duro, um pai sofrê,
Veno seu fio   crescendo,
Dizeno sempre:
Papai, vem mi insiná o ABC!
Si eu subesse, meu sinhô,
Inscrevê, lê e contá,
Intonce, sim, eu   havéra
Di sabê como assuntá!
Tarvêis vancê nun dexasse
O sertanejo   morrendo,
Mais pió qui um animá!
Pru módi a puliticaia,
Vancê qué qui um home saia
Do Sertão, pra vim...   votá?...
In Juaquim, Pêdo, ou Francisco,
Quano vem a sê tudo iguá?...
Priguiçôso? Madracêro?
Não!.. Não sinhô, Seu Conseiêro!
Vancê nun sabe di nada!
Vancê nun sabe a corage
Qui é perciso um home   tê,
Pra corrê nas vaquejada!
Vossa Incelênça nun sabe
O valô di um   sertanejo,
Acerano uma queimada!
Vamicê tem um casarão!
Tem um jardim, tem uma cháca.
Tem um criado de   casaca
E ganha, todos os dia,
Quer chova, quer faça só,
Só pra falá...   cem mirré!
Eu trabáio o ano intero,
Somente quando Deus qué!
Eu vivo, no meu   roçado,
Mi isfarfando, como um burro,
Pra sustentá oito fio,
Minha mãe,   minha muié!
Eu drumo inriba de um côro,
Numa casa de sapé!
Vancê tem seu...   ortromóvi!
Eu, pra vim no povoado,
Ando dez légua, de pé!
O sór, têve tão ardente,
Lá pras banda do sertão,
Qui, in meno de   quinze dia,
Perdi toda a criação!
Na semana retrasada,
O vento tanto ventô,
Qui a paia, qui cobre a   choça,
Foi pus mato... avuô!
Minha muié tá morrendo,
Só pru farta de mezinha!
E pru farta de um   dotô!
Minha fia, qui é bunita,
Bunita, como uma frô,
Seu Dotô, nun sabe   lê!
E o Juquinha, qui inda tá
Cherano mêmo a cuêro,
E já puntêia uma   viola...
Si entrasse lá, pruma iscola,
Sabia mais que vancê!
Priguiçôso? He... Madracêro?
Não... Não sinhô, Seu Conseiêro!...
Vancê diga aus cumpanhêro,
Qui um cabra, o Zé das Cabôca,
Anda cantano   esses verso,
Qui hoje, lá no Sertão,
Avôa, de boca em boca:
(cantado)
Eu prantei a minha roça,
O tatu tudo cumeu!
Prante roça, quem   quisé,
Qui o tatu, hoje, sou eu!
Vassuncê sabe onde tá o buraco
Adonde véve o tatu esfomeado?
Han?... Tá   nos paláço da Côrte,
Dessa porção de ricaço,
Qui fêiz aquele   palaço,
Cum sangre do disgraçado!
Vancês tem rio de açude,
Tem os dotô da Ingêna,
Qui é pra cuidá da   saúde...
E nóis?... O qui tem? Arresponda!
No tempo das inleição,
Qui é o tempo da bandaiêra,
Nós só tem uma   cangaia,
Qui é pra levá todas porquêra,
Dos Dotô Puliticáia!...
Sinhô Dotô Conseiêro,
De lêzes, eu nun sei nada!
Meu derêito é minha   inxada,
Meu palaço é de sapé!
Quem dá lêzes pra famía
É a minha boa   muié!
Vancê qué ser persidente?
Apois, seja!
Apois seja, Meu Patrão!
A   nossa terra, o Brasí,
Já tem muita inteligênça,
Muito home de   sabença,
Qui só dá pra... ó, ispertaião!
Leva o Diabo, a falação!
Pra   sarvá o mundo intêro,
Abasta tê... coração!
Prus home di intiligênça,
Trago comigo essa figa:
Esses home tem   cabeça.
Mais, porém, o qui é mais grande
Do que a cabeça... é a   barriga!
Seu Conseiêro... um consêio:
Dêxe toda a birbotéca dos livro!
E, se um   dia, vancê quisé
Passá ums dia de fome,
De fome e, tarvêiz de sêde,
E   drumi lá, numa rêde,
Numa casa de sapê,
Vá passá comigo uns tempo,
Nos mato do meu sertão,
Que eu hei de lhe   abri a porta
Da choça... e do coração!
Eu vorto pros matagá...
Mais, porém, oiça premêro:
Vancê pode nos   xingá,
Chamá nóis de madraçêro.
Purquê nóis, Seu Conseiêro,
Nun qué sê   mais bestaião!
Não!.. Inquanto os home di riba
Dexá nóis tudo   mazombo,
E só cuidá dos istombo,
E só tratá di inleição...
Seu Conseiêro hái de vê,
Pitano seu cachimbão,
O Jeca-Tatu se   rindo,
Si rindo... cuspindo
Sempre cuspindo,
Co quêxo inriba da   mão!
Eu sei que sô um animá,
Eu nem sei mêmo o que eu sô.
Mais, porém, eu   lhe agaranto
Qui o qui vancê já falô,
E o qui ainda tem de falá,
O qui   ainda tem de inscrevê,
Todo, todo o seu sabê,
E toda a sua   saranha...
Não vale uma palavrinha,
Daquelas coisa bunita,
Qui Jesuis,   numa tardinha,
Disse, inriba da montanha!...

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